- E agora, para a próxima questão. Deixe-me ver… Rigson, você.
A luz flamejante do entardecer entrava na sala de aula pelas grandes vidraças do prédio, mas ao invés de queimar ela apenas dava mais sono aos alunos. As aulas do professor Marv eram uma das piores torturas de toda a universidade, pois suas explicações eram tediosas e confusas, mas suas perguntas eram precisas e contavam para a média final. Ele sempre terminava o dia escolhendo três vítimas. Por isso, por mais que fosse difícil, os alunos tinham que se esforçar para manter a atenção. E eles o fariam, se ao menos as aulas de Marv não fossem no final da tarde de sexta-feira.
No entanto, Albert Rigson teve sorte. A pergunta que o professor faria era uma que ele sabia muito bem como responder. Afinal era o principal objeto de sua pesquisa.
- Quais as relevâncias históricas da destruição da capital de V.K.D. pelos exércitos de Aom na chamada Batalha do Entardecer?
A resposta veio quase que imediatamente:
-
Logo após a queda da capital de V.K.D., pela primeira vez em vinte anos, os métodos de Renato, o Estadista começaram a ser considerados questionáveis. Isso foi reforçado pelas suspeitas de que o líder estava negligenciando seu governo, tantas vezes tomando providências sub-optimais nos meses anteriores ao ataque. Isso foi posteriormente comprovado com uma análise dos relatórios da época, mostrando que havia muito que o reino podia ter feito. Isso tudo serviu de fomentação para as mudanças que estavam por vir não só em V.K.D., mas em todos governos daquele lado do continente.
-
Oh. Parece que temos alguém que tem um mínimo de capacidade na aula de hoje. Muito bem, senhor Rigson, você já pode…
-
Mas fora essa consequência - continuou Albert -, há também o grande mistério de como o exército de Aom conseguiu sobrepujar uma força três vezes maior na capital de V.K.D…
-
Senhor Rigson, não precisa…
Um silêncio pertubador tomou o resto da sala. Nunca era um bom sinal interromper um professor, mas pior do que isso era sobre o que Albert estava falando.
O suposto “buraco na história” da Batalha do Entardecer era um daqueles assuntos tratados como irrelevantes, mas ainda assim atraía a curiosidade de alguns estudiosos mais… empenhados do que o que se considera saudável. Tipicamente rotulados de “os fanáticos de Aom”, sua fama fez com que qualquer menção ao mistério daquela batalha fosse visto com maus olhos.
-
Apesar dos deslizes de Renato, seus subordinados estavam mais do que bem preparados. Além disso, por mais que as muralhas fossem analisadas pelos melhores arquitetos, nenhuma brecha foi encontrada. O fato de que os livros mencionam os portões principais destruídos reforça a hipótese de um ataque frontal. O que não faz o menor sentido…
-
BASTA, SENHOR RIGSON!
Finalmente desistindo e percebendo o que havia feito, Albert senteu de volta em seu lugar, desconcertado. A aula acabou logo em seguida, mas ele sabia que teria que enfrentar a ainda mais impiedosa prova de recuperação do professor Marv agora.
Mas não importava o que dissessem, ou a nota que ele tirasse, ele não mudaria de ideia. Não tem como vazios desse tipo na história da Humanidade serem ignorados e isso ser simplesmente considerado o jeito natural de agir! Recolheu seus livros e seguiu pelas escadarias em direção à saída lateral que costumava usar por levar mais rápido ao seu carro. Aquela parte do prédio era mais vazia, então ele percebeu rapidamente.
Alguém o estava seguindo.
Parou de andar, imaginando que fosse algum colega em busca da risada do dia. No entanto, assim que virou, sentiu um tecido pressionado contra sua boca, e tudo apagou.
- O que você sabe sobre o mistério da Batalha do Entardecer!?
Albert nunca entendeu porque cicatrizes eram consideradas um sinal de força e terror. Porque ele nunca havia visto uma como a do homem que o despertou com água fria aos berros.
Uma porrada nem um pouco comedida cruzou a face do jovem universitário.
Ainda zonzo, não conseguia reconhecer nada dos seus arrededores, exceto que estava tudo escuro a menos de uma luz sobre o interrogador, o que tornava a cicatriz cobrindo metade de seu rosto ainda mais sinistra. Para mal ou para pior, a pancada havia terminado de liberar a adrenalina que Albert precisava para processar a pergunta feita a instantes atrás.
- A… Batalha do Entardecer? Por que… você quer…
Outra porrada. Dessa vez, o homem limitou-se a bufar e olhar ameaçadoramente ao invés de gritar de novo.
-
Eu não sei! É o objeto da minha pesquisa, mas eu ainda não encontrei a resposta, como todos os outros!
-
Pergunte se ele sabe sobre a lenda de Bot.
Uma nova voz surgiu, em meio à escuridão. Albert não conseguiu identificar seu dono, mas o que ele falou lhe chamou a atenção. O interrogador brutamontes, ao invés de repetir a pergunta, apenas balançou o queixo em um gesto equivalente.
- Lenda de Bot? Eu vi isso em algum lugar… sim… em um livro de folclores da época…
Nos momentos de dezespero em sua pesquisa, até mesmo recorrer a mitos e fantasia parecia razoável. Afinal, muitos deles eram nada mais do que distorções da realidade. Mas havia algo de errado com isso, porque essa lenda não era proveniente da cultura de Aom, e sim de…
-
Pera! Como assim!? Será…?
-
O quê!? Fale!
-
Três semanas antes da Batalha do Entardecer, a capital de Odin também foi atacada por uma força Aom. Mas naquele ataque guerreiros Pylon também participaram. Acredita-se que eles haviam formado uma aliança temporária por conveniência… Mas e se, na verdade, os ataques foram independentes? Não, seria coincidência de mais… Então por que Aom atacaria os mesmos alvos que Pylon? Ou será que… eles estavam tentando atacar antes que Pylon!?
Muito pontos começaram a se conectar na cabeça de Albert Rigson. Tendo bolado várias teorias mirabolantes ele próprio em sua pesquisa, o hábito de inverter as hipóteses e considerar o improvável havia se incorporado ao seu método de raciocínio.
- Sabe-se que naquela época o governo de Pylon estava formando uma força militar como nunca vista. Uma força que poderia facilmente destruir a capital de V.K.D., mesmo que atacasse pela porta da frente!
Tudo fazia sentido agora. Não foi o exército Aom que destruiu a capital, e sim o exército gigantesco de Pylon. Mas os Aom ficaram com toda a glória, porque eles realmente tentaram atacar a cidade, e chegando lá encontraram apenas os seus destroços. Só que isso faz tudo o que aconteceu depois ter um significado completamente diferente! Toda a história conhecida até então poderia estar errada…
O interrogador apenas continuou olhando para Albert com um olhar duvidoso. Ele provavelmente só ouviu “blábláblá”. A voz nas escuridão confirmou:
- Engenhoso, jovem. Parece que pegamos a pessoa certa. Parabéns, você acabou de descobrir um dos maiores segredos da Humanidade.
Mas ele não teve tempo de sentir orgulho ou qualquer outro sentimento de glória.
Três palavras que Alberto se recusou a entender. Por quê? Ele não havia dado o que eles queriam? No final das contas, o jovem brilhante respondeu a maior pergunta de sua vida, mas não a última. O homem da cicatriz puxou o revólver de trás de si e perfurou um dos cérebros mais preciosos da civilização humana com um projétil de calibre 38.
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Novamente, vejam na planilha o resultado e o desenrrolar da rodada!
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